DIABETES MELLITUS
Lab.com 08/2024 DIAGNÓSTICO DO DIABETES MELLITUS
DIAGNÓSTICO DO DIABETES MELLITUS
ATUALIZAÇÃO DA DIRETRIZ DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES (SBD)
A identificação de hiperglicemia estabelece o diagnóstico de Diabetes Mellitus (DM). Para isto, podem ser usados a glicemia plasmática de jejum (GJ), o teste de tolerância à glicose por via oral (TTGO) e a hemoglobina glicada (HbA1c). Os sinais e sintomas sugestivos de hiperglicemia estão indicados a seguir, entretanto, frequentemente não há sintoma.
Os testes laboratoriais para o diagnóstico de DM devem ser feitos em todos os indivíduos com sintomatologia sugestiva de diabetes e em indivíduos assintomáticos com risco aumentado de desenvolver essa condição. O Ministério da Saúde do Brasil recomenda a utilização doFinnish Diabetes Risk Score(FINDRISC) para estratificação de risco de desenvolvimento de DM2 (https://diabetes.org.br/calculadoras/findrisc).
Ao realizar testes para diagnóstico de DM, também podem ser identificadas pessoas com hiperglicemia leve, que não preenchem critérios para DM. De acordo com a International Diabetes Federation (IDF), esses casos constituem a “hiperglicemia intermediária”, composta pela “glicemia de jejum alterada”, nos casos em que a disglicemia leve ocorre em jejum e pela “intolerância à glicose”, na situação em que há hiperglicemia leve após TTGO, sem preencher critérios para DM. A American Diabetes Association (ADA) e a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) utilizam a nomenclatura “pré-diabetes” para estes indivíduos, embora nem todos desse grupo evoluam para DM.
Recentemente, um comitê de experts da International Diabetes Federation (IDF) reavaliou a acurácia e aplicabilidade do TTGO de 1 hora (TTGO-1h) para diagnóstico de pré-diabetes e de DM. Uma metanálise de 15 estudos com 35.551 indivíduos caucasianos, ameríndios, asiáticos e mexicanos americanos identificou que o valor de corte de TTGO-1h de 209 mg/dl é equivalente ao valor de corte no TTGO-2h de 200 mg/dl para diagnóstico de DM. A IDF recomenda que a glicemia no TTGO-1h ≥ 209 mg/dl seja um critério para diagnóstico de DM. Diante desta reavaliação, o TTGO poderá ser feito com uma dosagem de glicemia realizada após uma hora (TTGO-1h) OU duas horas (TTGO-2h) de sobrecarga de 75 gramas de glicose por via oral.
Tabela 1. Critérios laboratoriais para diagnóstico de DM e pré-diabetes
DM: diabetes mellitus; TTGO: teste de tolerância à glicose oral; HbA1c: hemoglobina glicada. *Considera-se como jejum a cessação de ingesta calórica de 8-12 horas. **Carga oral equivalente a 75 g de glicose anidra diluída em água.
Importante: Cuidados e limitações dos métodos diagnósticos e Padronização da HbA1c
Sinais e sintomas TÍPICOS de hiperglicemia | Sinais e sintomas SUGESTIVOS de hiperglicemia |
• Poliúria • Polidipsia • Polifagia • Perda de peso inexplicada • Desidratação | • Noctúria • Visão turva • Cansaço • Infecções recorrentes (Candidíase e Periodontite) • Má cicatrização de feridas • Albuminúria transitória em pacientes com DM1 com menos de 5 anos de doença |
Critérios | Normal | Pré-diabetes | DM |
Glicemia de jejum (mg/dl) | < 100 | 100-125 | ≥ 126 |
Glicemia ao acaso (mg/dl) + sintomas | – | – | ≥ 200 |
Glicemia de 1 hora no TTGO (mg/dl) | < 155 | 155-208 | ≥ 209 |
Glicemia de 2 horas no TTGO (mg/dl) | < 140 | 140-199 | ≥ 200 |
HbA1c (%) | < 5,7 | 5,7-6,4 | ≥ 6,5 |
- Todos os métodos têm limitações metodológicas. A GJ necessita de jejum, sofre interferências decorrentes de condições agudas e tem menor taxa de reprodutibilidade quando comparada à HbA1c.
- O TTGO é mais oneroso, desconfortável e consome tempo, mas tem maior sensibilidade. Para sua utilização, deve ser feita alimentação nos três dias antecedentes ao teste, com ingesta de, pelo menos, 150g de carboidratos/dia.
- A HbA1c tem maior custo e não leva em conta a variabilidade individual no fenômeno de glicação proteica, além de ter menor sensibilidade diagnóstica do que os outros métodos.
- A análise laboratorial da HbA1c foi mundialmente padronizada pelo método cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE ou HPLC, em inglês), e sua validação necessita ser certificada pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP), estabelecida para a aplicabilidade no estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT).
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Aspectos relevantes do sumário de evidências da Diretriz da SBD sobre as recomendações de atualização do TTOG
- O TTGO-1h é superior ao TTGO-2h em detectar indivíduos com risco para desenvolvimento de DM2. Abdul-Ghani e cols avaliaram o perfil glicêmico de 1.611 mexicanos americanos sem diabetes no San Antonio Heart Study, com TTGO. Estes pacientes foram submetidos a uma nova avaliação quanto ao status de DM após 7 a 8 anos de acompanhamento. O TTGO-1h inicial foi superior ao TTGO-2h (e à GJ) como preditor para o DM2.
- O TTGO-1h resulta em detecção mais precoce de DM2 e de pré-diabetes, aumentando a possibilidade de intervenção e de redução do risco de complicações. A maioria dos pacientes (74%) atinge o ponto de corte para detecção de DM2 e pré-diabetes primeiro com os parâmetros estabelecidos para o TTGO-1h, em relação ao TTGO- 2h. Em um estudo com 201 nativos americanos, a glicemia ≥ 209 mg/dl no TTGO-1h foi atingida antes do que a glicemia ≥ 200 mg/dl no TTGO-2h (mediana de 1 ano antes), em pessoas que foram diagnosticadas com DM2. A detecção de pré-diabetes com glicemia ≥ 155 mg/dl no TTGO-1h também foi mais precoce do que a glicemia ≥ 140 mg/dl no TTGO-2h (mediana 1,6 anos a menos).
- Uma metanálise com 35.551 indivíduos de múltiplas etnias demonstrou que o TTGO-1h ≥ 209 mg/dl é equivalente ao TTGO-2h ≥ 200 mg/dl para diagnóstico de DM. Com base neste trabalho, a IDF passou a considerar o TTGO-1h ≥ 209 mg/dl como um critério para o diagnóstico de DM.
- Uma associação direta entre a glicose no TTGO-1h ≥ 155 mg/dl e a incidência de DM2 em anos subsequentes foi observada em vários estudos prospectivos, como o San Antonio Heart Study, GHO e Botnia, que avaliaram 1.611, 853 e 2.603 indivíduos, respectivamente. Embora alguns estudos tenham utilizado outros pontos de corte para predição de DM2 no TTGO-1h, o valor de 155 mg/dl representa um ponto adequado em termos de sensibilidade e especificidade para predição de DM2 em populações de etnias diversas.
- Com base nesses estudos e no fato de que o exame de TTGO-1h é mais curto que o TTGO-2h, proporcionando maior praticidade e potencial vantagem econômica, o comitê de experts da IDF recomendou seu uso preferencial para rastreamento e diagnóstico de DM2. Algoritmo para rastreamento de DM2 – Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes 2024
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- *Caso o primeiro TTGO seja compatível com DM, mas não haja confirmação diagnóstica, o rastreamento deve ser repetido em 6 meses. **Em pessoas com pré-diabetes e valores de GJ, TTGO (1 ou 2 horas) e HbA1c próximos aos critérios estabelecidos para DM, a repetição mais precoce do rastreamento (entre 6 e 12 meses) deve ser considerada.
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Tabela de Recomendações da Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes 2024 sobre diagnóstico do DM
R1 – É RECOMENDADO utilizar, como critérios de diagnóstico de DM, a glicemia de jejum maior ou igual a 126 mg/dl, a HbA1c maior ou igual a 6,5%, a glicemia no TTGO-1h maior ou igual a 209 mg/dl ou a glicemia no TTGO- 2h maior ou igual a 200 mg/dl. Se somente um exame estiver alterado, este deverá ser repetido para confirmação. (Classe I Nível C) |
R2 – Na presença de sintomas típicos de hiperglicemia ou crise hiperglicêmica, É RECOMENDADO que o diagnóstico seja estabelecido quando houver glicemia plasmática ao acaso ≥ 200 mg/dl. (Classe I Nível C) |
R3 – É RECOMENDADO estabelecer o diagnóstico de DM se houver GJ ≥ 126 mg/dl e HbA1c ≥ 6,5% em uma mesma amostra de sangue. (Classe I Nível B) |
R4 – Quando indicada a realização de TTGO, É RECOMENDADO o uso de TTGO-1h para diagnóstico de DM2 e detecção de pré-diabetes, por ser superior e mais prático do que o TTGO-2h. (Classe I Nível B) |
R5 – É RECOMENDADO utilizar como ponto de corte de glicemia no TTGO-1h ≥ 209 mg/dl para diagnóstico de DM2 e ≥ 155 mg/dl para detecção de pré-diabetes. (Classe I Nível C) |
R6 – É RECOMENDADO o rastreamento de DM2 para todos os indivíduos com idade ≥ 35 anos e para os demais adultos |
com sobrepeso/obesidade que tenham pelo menos um fator de risco adicional para DM2 e/ou que apresentem FINDRISC alto/muito alto. (Classe I Nível B) |
R7 – É RECOMENDADO utilizar GJ e/ou HbA1c como primeiros testes de rastreamento de DM2. A escolha entre solicitar um destes testes ou ambos deve ser baseada na disponibilidade local para realizar a dosagem de HbA1c. (Classe I Nível C) |
R8 – Em adultos com pré-diabetes, definido previamente por glicemia de jejum e HbA1c, É RECOMENDADO a realização adicional do TTGO-1h para diagnóstico de casos de DM2 não anteriormente detectados (se maior ou igual a 209 mg/dl) ou para predizer risco futuro de DM2 (se maior ou igual a 155 mg/dl e menor do que 209 mg/dl). (Classe I Nível B) |
R9 – No rastreamento do DM2, se houver GJ < 100 mg/dl e HbA1c < 5,7% em pessoas com 3 ou mais fatores de risco ou FINDRISC alto/muito alto, É RECOMENDADO realizar o TTGO-1h para complementar a investigação de DM e pré-diabetes. (Classe I Nível C) |
R10 – No rastreamento inicial do DM2, caso haja GJ < 100 mg/dl e HbA1c < 5,7% em pessoas com menos de 3 fatores de risco e FINDRISC baixo a moderado, NÃO É RECOMENDADO realizar testes adicionais para detecção de DM2 ou pré- diabetes. (Classe III Nível C) |
R11 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas com exames laboratoriais normais, menos de 3 fatores de risco ou FINDRISC baixo a moderado sejam reavaliadas após 3 anos. (Classe I Nível C) |
R12 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas assintomáticas, com exames laboratoriais normais e ≥ 3 fatores de risco OU FINDRISC alto/muito alto sejam reavaliadas em 12 meses. (Classe I Nível C) |
R13 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas com pré-diabetes sejam reavaliadas após 12 meses. (Classe I Nível C) |
R14 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas com apenas um exame laboratorial com critério para DM, sem outros exames alterados (diabetes iminente) sejam reavaliadas em 6 meses. (Classe I Nível C) |
R15 – É RECOMENDADO o rastreamento para DM nos indivíduos que apresentam comorbidades relacionadas ao diabetes secundário, como endocrinopatias e doenças pancreáticas, com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou na vigência de condições frequentemente associadas ao DM, como a doença hepática esteatótica. (Classe I Nível C) |
R16–É RECOMENDADOque pacientes que irão iniciar medicações com potencial efeito hiperglicemiante, como glicocorticoides ou antipsicóticos, sejam rastreados para DM antes e após o início do tratamento. (Classe I Nível C) |
R17 – É RECOMENDADO realizar triagem de DM2 em crianças e adolescentes a partir de 10 anos de idade ou após o início da puberdade, com sobrepeso/obesidade e pelo menos um fator de risco para DM2. (Classe I Nível B) |
R18 – O rastreamento com dosagem de autoanticorpos PODE SER CONSIDERADO em familiares de primeiro grau de pessoas com DM1, visando reduzir o risco de cetoacidose ao diagnóstico, fornecer educação em diabetes, selecionar candidatos para participação em protocolos de pesquisa para prevenção do DM1 fase 3 e para início do uso de medicações imunomoduladoras aprovadas por agências reguladoras com objetivo de atrasar DM1 fase 3. (Classe IIb Nível C). |
Edição 08. Agosto/2024 Assessoria Médica – Lab Rede
Referência
Melanie Rodacki, Roberta A. Cobas, Lenita Zajdenverg, Wellington Santana da Silva Júnior, Luciano Giacaglia, Luis Eduardo Calliari, Renata Maria Noronha, Cynthia Valerio, Joaquim Custódio, Mauro Scharf, Cristiano Roberto Grimaldi Barcellos, Maithe Pimentel Tomarchio, Maria Elizabeth Rossi da Silva,
Santos, Bianca de Almeida-Pitito, Carlos Antonio Negrato, Monica Gabbay, Marcello Bertoluci | Diagnóstico de diabetes mellitus. Diretriz Oficial da Sociedade
Rosa Ferreira dos
Brasileira de Diabetes (2024). Disponível em https://diretriz.diabetes.org.br/diagnostico-de-diabetes-mellitus/